Para você que tem me acompanhado nesta tentativa de contar um pouco da história da Geografia através da nossa relação com a necessidade de localização territorial, de conhecimento das características, regras e leis dos lugares, bem-vindos à terceira e última etapa desta conversa.
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Pois bem, no primeiro texto eu te convidei a pensar comigo a respeito dos motivos pelos quais, em todos os momentos de nossas vidas, necessitamos saber onde estamos. E a conclusão, espero que tenha sido a de que os lugares possuem características e regras/leis particulares ou próprias. Logo, sabendo onde eu estou posso sobreviver melhor neste lugar. (lugar= características + regras ou leis= sobrevivência).
No segundo texto te convidei a caminhar comigo pela evolução deste conhecimento geográfico inato até a Ciência Geográfica, passando pelas nossas experiências cotidianas como os nossos pedais e chegando à Alemanha do século XIX, aos pensadores Alexander Von Humboldt, Karl Ritter e Friedrich Ratzel, grandes geógrafos e organizadores desta ciência.
Deste texto quero destacar um aspecto essencial. A Geografia foi criada para dar ao Estado alemão o conhecimento territorial necessário ao seu projeto de dominação imperialista e, todos sabemos que, em condições normais não aceitamos ser dominados. Então, aí empregou-se uma categoria de legitimação do poder e da dominação conhecida como Determinismo Geográfico (uma junção do conhecimento territorial + o Dawvinismo social – aquele pensamento de que só os mais aptos sobreviveriam).
Foi exatamente neste trecho que parei e citei um livro que muitos de nós lemos na infância e que os mais jovens já devem ter ouvido falar que é a Geografia de Dona Benta, de 1935, um clássico do escritor Monteiro Lobato.
Para quem não leu, vou dar spoiler. A história tem seu desenrolar com a turma do Sítio - Dona Benta, Tia Anastácia, Emília, Narizinho, Pedrinho, Visconde e Quindim embarcados num navio chamado “Terror dos Mares” que, ao viajar por diferentes lugares do Brasil e do mundo, permitia aos navegantes aprender com Dona Benta a geografia dos lugares na prática. Mas, não é isso que também fazemos em nossos pedais?
Tenho certeza de que a resposta será afirmativa. No entanto, acredito que não sejamos deterministas geográficos tal qual o autor Monteiro Lobato em sua abordagem. Vou tomar a liberdade de reproduzir dois trechos por aqui em que ele (autor) fala sobre as regiões Sul e nordeste do país.
“- Ah, o Rio Grande do Sul é uma das partes mais importantes, mais ricas e demais futuro do Brasil. Tem todas as condições de clima de topografia para desenvolver-se cada vez mais. O povo é sadio e corajoso. E entusiasta. Um povo feliz. As culturas são variadíssimas; produz até trigo; e as indústrias se desenvolvem com muita força.”
(LOBATO, 1982. p.155)
“No Nordeste o clima é quente e, portanto, impróprio para as raças brancas que da Europa emigram para a América. Notem que no sul do Brasil há muitos imigrantes estrangeiros que vieram e se fixaram em virtude do clima ser mais ou menos o mesmo que de suas pátrias.”
(LOBATO, 1982. p. 167).
Depois destas citações você deve estar se perguntando. Onde ele quer chegar? Pois é, fiz este caminho contigo para chamar a sua atenção sobre a importância do conhecimento geográfico, sobre as formas como este conhecimento foi sendo utilizado ao longo da história e, principalmente para compartilhar contigo a importância da Geografia no nosso cotidiano. Não como uma enciclopédia decorada, mas como um conjunto de vivências que se traduzem em histórias e novos saberes. Também citei para demonstrar o quanto alguns de nós ainda reproduzimos a totalidade ou partes destas visões deterministas do conhecimento. Fica a dica e o convite para uma reflexão geral em tempos de isolamento social e quarentena.
Finalizando, afirmo que a geografia deixou de ser uma ciência do Estado a serviço da dominação há muitos anos. E que tem passado cada vez mais por um processo de autocrítica. Ufa, que bom! E, nós, pedaleiros no geral, continuamos com a mesma necessidade de sabermos o onde e o porquê das coisas, não é mesmo?
Até uma próxima oportunidade, fiquem bem e que possamos retomar nossos pedais em breve.
Por Prof. Paulo Mendes, ciclista urbano, bacharel e licenciado em Geografia pela PUC/SP e voluntário do Instituto Cicloativo do Brasil.
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